por Eduardo Valente ![]() |
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Lição 1: VOCÊ ESTÁ FAZENDO UM CURTA!! Parece óbvio, mas um número imenso de realizadores parece não conseguir superar o fato de não estarem realizando seu projeto de longa metragem. Com isso, cismam em condensar demais uma história que devia ser mais longa, ou simplesmente contam longamente uma idéia curta, criando esta aberração insuportável que se convencionou chamar o “mini-longa”. Certamente o erro mais cometido, que atrapalha alguns filmes até interessantes como o australiano A Telephone Call for Genevieve Snow, o franco-senegalês Une Femme pour Souleymane ou o canadensePassengers. Em outros casos, este “approach” amplia os defeitos de filmes já frágeis como o francês Claquage aprés Étirements, o macedônio Veta ou o grego (ganhador de Clermont Ferrand, mesmo primariamente dirigido) Ela na Sou Po… E, finalmente, torna insuportáveis trabalhos mal intencionados no seu moralismo mais careta e preconceituoso como o mexicano Quiero Ser (que reafirma o quanto o Oscar não sabe nada de curtas), o peruano Un Minuto de Silencio, o espanhol El Puzzle ou o constrangedor costa-riquenhoOnce Rosas. Lição 2: NUNCA DEIXE SUA SACADA TÉCNICA SOBREPUJAR O QUE VOCÊ QUER DIZER No curta, o risco de uma “sacada de linguagem” ser maior do que o que o cineasta quer dizer é ainda maior, ainda que menos danoso, do que no longa, onde este mesmo problema já está ficando cada vez mais comum. O mais impressionante é ver que ainda hoje este tipo de coisa engana a cada dia mais pessoas e até mesmo júris de festival que cismam em premiar meras brincadeiras bobas, e , francamente, cansativas. Maiores exemplos neste festival, mas os maiores: o austríaco Copyshop com sua brincadeirinha de repetição; o americano Jungle Jazz: Public Enemy #1 com seu jogo de reutilização de imagens antigas; e o chileno Ekos com sua obsessão pela filmagem “virtuosa”. Lição 3: SE VOCÊ VAI CONTAR UMA PIADA, QUE ELA SEJA NO MÍNIMO NOVA OU INESPERADA Poucas sensações são mais insuportáveis do que a de saber que se está assistindo uma piada filmada, e que já se entendeu o final. A comédia pode sim ser subversiva, vanguardista, até mesmo transcendental. Mas também pode ser altamente irritante. Filmes como o escocês Sex and Death ou o cubano El Valor de la Amistadsão uma verdadeira prova de fogo à paciência e disposição de um público numa longa sessão de curtas. Lição 4: SEJA EXPERIMENTAL. MAS NEM SEMPRE. O curta é o meio ideal para a experimentação no cinema, já afirmou um homem sábio. Mas da experimentação para a picaretagem a linha é muito tênue, e constantemente cruzada. A verdade é que muitos curtas deixam no ar a sensação de que “tudo vale”, ou seja, na rapidez da duração estamos liberados para qualquer tipo de coisa, sem necessidade de cuidados com a linguagem, com o espectador, com o discurso. Assim é que filmes como o francês Ya Rayah ou o dinamarquês Helgoland podem sempre pedir o salvo-conduto da “obra de arte” para se defenderem de qualquer oposição a seus pretensiosamente vazios projetos. Embora não dêem conta de todos os erros, estes são sem dúvida os mais comuns, e portanto mais irritantes. Deve-se entender que um festival de curtas pode se tornar uma exasperante experiência dadas suas longas sessões de inúmeras procedências e idéias diferentes. Uma má sessão de curtas é muito mais cansativa que um mau longa. Com isso, cada pequeno pecado acaba ampliado. Mas isso não é desculpa, porque no geral houve inúmeros outros cineastas acertando na mosca, quase o tempo todo. Para tentar entender alguns dos seus “golpes” que tornam os curtas pequenas delícias, vamos a eles: Lição 1: NA DÚVIDA, SEJA MÓRBIDO. É impressionante como funciona num curta ser simplesmente estranho, diferente, talvez um pouco cruel, porque não. Tirar o espectador da sua “zona de conforto” garante a atenção dele por toda a curta duração de um filme. Assim é que a morbidez ou a crueldade explícitas têm grande aceitação, porque em doses homeopáticas são muito mais aceitáveis. Difícil imaginar que um longa na linha do escocês Daddy’s Girl ou o inglês To Have and to Hold pudessem sustentar o nível de tensão e estranheza com o espectador que estes estabelecem. Portanto, são filmes que têm a duração que devem ter, e este é o maior elogio que se pode fazer. Mas os súditos da rainha não detêm exclusividade na terra da estranheza: o polonês Mamo Zobacz e o mexicano Hasta los Uesossão dois outros exemplos de perfeita adequação entre duração e morbidez. LIÇÃO 2: CRIAR CLIMA É SEMPRE UM PONTO A FAVOR. Manter esta característica tão inexplicável quanto facilmente perceptível que é o “clima” não possui manual possível. Alguns simplesmente sabem fazer, outros não. Claro que sustentar um clima por 10 a 15 minutos é mais fácil do que durante 90, mas isso não diminui o mérito de quem o faz. Filmes como o norueguês A SE en Bat med Seil ou o holandês Reis Door de Nacht praticamente devem todo seu interesse à capacidade de criarem tamanho clima que o espectador nada mais pode fazer além de ficar grudado no que assiste. Lição 3: PIADAS ORIGINAIS SÃO BEM VINDAS Existe uma idéia de que o filme-piada é necessariamente ruim. Ora, claro que não. A piada é como tudo na vida: quando boa, é mais que desejável. O que se pede muitas vezes é que o humor tenha algo mais do que uma simplória história sem qualquer atributo intrinsecamente cinematográfico, seja de linguagem, seja de construção narrativa. Aí, os humoristas fazem melhor. Mas são mais do que desejáveis jogos de linguagem surpreendentes como o brilhante filme sueco Music for One Apartment and Six Drummers; construções narrativas desconcertantes como o norueguês Bla Java; ritmo preciso como o americano For the Birds; texto e linguagem absolutamente em uníssono como o também excepcional americanoBike Ride; ou simplesmente o subversivo e quase surreal humor inglês de A Heap of Trouble. Lição 4: POR QUE NÃO CONTAR UMA HISTÓRIA? Outro preconceito bobo que o “mini-longa” entranhou é que todo curta que só “conta uma história” é ruim. Mentira, contar bem uma história requer muito mais talento e criatividade do que muitas experimentações. Só que as histórias precisam, acima de tudo, serem histórias que estejam adequadas ao tempo do cuurta. Que possam ser contadas precisamente no tempo que dispõem, sem faltas nem sobras. No Festival houve exemplos de sobra. O francêsFaux Contact talvez seja o melhor de todos, ao misturar humor com domínio narrativo com uma observação sutil do mundo moderno. Mas podemos pensar ainda no belíssimo belga Raconte, no uruguaio Nico & Parker ou no dinamarquês Kuppet. O alemão Zwei im Frack (Dois de Fraque) deixava um pouco a desejar na sua duração mais longa, mas sem dúvida mistura humor e morbidez o suficiente para compensar. Lição 5: DOCUMENTAR É POSSÍVEL Usar o formato do curta para fazer um documentário é um risco enorme, porque dificilmente há tempo suficiente para desenvolver idéias, documentar fatos, expôr lados de questões complexas. Mas, usando muita criatividade na forma (ser careta num documentário curto é garantir a morte do filme), alguns realizadores sempre mostram que é possível sim documentar em curta. Este ano os destaques foram o mexicano Los Zapatos de Zapata, o lindíssimo e criativo iraniano Bouy-e Gougerd, e em especial o russo Et Cetera, um verdadeiro soco no estômago. Lição 6: UMA PORRADA DÓI BASTANTE Um longa metragem dificilmente se sustenta em torno de uma idéia com a força de um soco, uma imagem poderosa, um momento de completa surpresa. O curta pode se dar a este luxo. Saber dosar e criar o clima para esta porrada é tão importante quanto saber terminar o filme após esta. Este foi o grande problema do filme esloveno Hop, Skip and Jump e do finlandês Nolla Astetta, que após exibir duas das mais fortes imagens vistas em muito tempo, se alongam por mais longos minutos de puro anti-clímax. Já o suiçoEinspruch II e o cubano Rogelio dão o soco e se retiram na hora certa. Lição 7: ARRISQUE, POR QUE NÃO? O jogo da linguagem, o frescor, a estranheza, são muito mais aceitos no formato curto do que no longa. Uma brincadeira de 90 minutos pode se tornar insuportável, mas em 10 minutos ela pode ser adorável. Da mesma forma, um filme estranhíssimo de ficção científica e insana como o mexicano Cérebro dificilmente se sustentaria por mais tempo do que a sua duração, que o torna só intrigante ao invés de confuso e chato. É assim que a bizarrice do franco-búlgaro Mon Pére ou a galhardia do francês Je t’Aime John Wayne ficam do tamanho exato antes de tornarem-se reptitivos. Lição 8 e final: QUANDO NADA MAIS TIVER EM MÃOS, SEJA GENIAL. Em última instância, se seu filme não se aplicar em nenhuma destas categorias que podem ajudá-lo acima, reze apenas para que o Papai do Céu tenha te dado o talento e a visão dos cineastas que realizam filmes excepcionais. |
