o beijo cinematográfico – parte 2

por Rodrigo Gerace

OS PRIMEIROS BEIJOS

 The Kiss (1896), curta-metragem de William Heise e distribuído por Thomas Edison, é considerado como o primeiro beijo exibido ao público. Ele mostra um casal de meia-idade, os atores John Rice e May Irwin, que se beijam timidamente, mas com certo prazer no semblante. O ato mostrou-se bem ousado para a época puritana: primeiro pelo tabu do beijo, depois pelo posicionamento incomum da câmera que, em close, capturava aquele gesto íntimo. Até então, a tradição fílmica orientava que a câmera registrasse, como no teatro, todo o corpo dos atores, em plano aberto. A cena, isolada de seu contexto dramático (foi retirada da peça The Widow Jones) e pelo enquadramento fechado, tornou-se obscena ao público, aquele mesmo que aplaudiu os atores na cena teatral. Imerso em um “cinema de atrações”, o curta codificou um imaginário exibicionista: o encontro dos lábios era como um flagra sexual proposital.

O filme foi denunciado como pornográfico por membros da igreja católica e considerado indecente por alguns críticos, como Herbert Stone, que, num editorial de junho de 1896, em Chicago, clamou pela polícia, alegando que a obra era de extremo mau gosto, repugnante. Dizia ainda que “nenhum dos intérpretes era particularmente atraente… No tamanho real, o beijo já era tosco, mas nada comparado ao efeito do ato aumentado em proporções gigantescas e repetido três vezes consecutivas. Todo o charme da Miss Irwin desapareceu, transformando sua arte em algo indecente e de uma vulgaridade prodigiosa… Fatos assim demandam intervenção da polícia”. Contudo, conforme comentou Nazario, “The Kiss foi apenas um susto passageiro, como o trem dos Irmãos Lumière ‘atropelando’ os espectadores das primeiras sessões do cinema. Quatro anos depois, Edison fez um remake de The Kiss com um casal de atores mais jovens, bonitos e esbeltos, e este beijo de 1900, até mais longo e erótico que o primeiro, não causou nenhum escândalo”.

Outro filme, produzido no final do século XIX, retificou o beijo como algo íntimo e privado. The Kiss in the tunnel (1899), de George Albert Smith, revelou beijos audaciosos dentro do vagão-leito de um trem que adentrava em um escuro túnel. Hoje, a série de selinhos em ambos os curtas parece insossa, mas, na época, causou tanto frisson no público que John Rice chegou a oferecer aulas e demonstrações de beijos nos vaudevilles.

Neste primeiro cinema, as cenas de beijo davam pistas para se reconhecer e desejar os corpos em sua intimidade exposta na tela. Ao mesmo tempo em que a câmera estruturava sua linguagem própria numa narrativa ficcional ilusória, ela também descortinava a vida, mostrando tudo o que existia e ainda tudo o que não existia e não era revelado ao público: nudez, beijos, sexo. Por sinal, a ambição de tudo exibir será a característica mais marcante dos stag films, os filmes pornográficos mudos.

No início do século XX os beijos passaram a ser menos ingênuos, evocando erotismo e sedução. Theda Bara, a vamp do cinema mudo, instigava seus parceiros exclamando: “Kiss me, my fool!”, levando-os à sedução fatal. Cineastas renomados como Cecil B. De Mille, Erich Von Stroheim e David W. Griffith projetaram beijos em imagens ousadas. Em Griffith, os beijos na boca, inclusive entre pessoas do mesmo sexo, eram dados como prova de amizade e de amor puro. Chaplin mostrava, em 1916, um atrapalhado beijo gay em Behind The Screen.

Algumas produções traziam tantos beijos que chegaram a ser cronometrados. No longa de Alan Crosland, Don Juan (1926), o ator John Barrymore beijou mais de 127 vezes os lábios de Mary Astor e Estelle Taylor, isso sem contar as “bitocas” nas demais atrizes, totalizando 191 beijos e um beijo a cada 53 segundos. Outros beijos tornaram-se marcantes pela intensidade: o beijo entre John Barrymore e Dolores Costello no final de A Fera do Mar (1925), de Millard Webb, fez a atriz desmaiar, saturada após quatro longos takes repetidos do beijo. Houve também o encontro fatal entre Greta Garbo e John Gilbert em A carne e o diabo (1927), de Clarence Brown, que materializou o primeiro beijo na horizontal, com o casal deitado. Em Aurora (1927), de Murnau, o beijo apaixonado dos amantes os enleva ao atravessarem a rua, sem olhar para os lados, fazendo o trânsito parar num caos de veículos em torno deles. O drama Asas (1927), de William Wellman, mostrava o envolvimento trágico entre os amigos Jack Powell e David Armstrong, pilotos durante a Primeira Guerra Mundial. No clímax, na ocasião do ferimento de um deles, dizem: “Você sabe que não há nada no mundo tão significante pra mim quanto a sua amizade”. O outro: “Eu sempre soube disso. Todo o tempo…” E selam a confissão com um beijo na boca. A ambigüidade sexual aparecia nas personagens de Marlene Dietrich emMarrocos (1930), de Sternberg, e Greta Garbo em Rainha Cristina (1933), de Mamoulian, e O Véu Pintado (1934), de Boleslawski – filmes nos quais as duas maiores divas do cinema beijavam livremente suas admiradoras.

Marcelo Macaue

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