Para criar uma viagem pela galáxia em busca de novos mundos para habitarmos, o diretor Christopher Nolan buscou na ciência os recursos para torná-la verossímil. Ao site de VEJA especialistas explicam os conceitos físicos e astronômicos por trás do filme e contam se, um dia, teremos habilidades para fazer uma viagem assim
Por: Rita Loiola
Cena do filme ‘Interestelar’, do diretor Christopher Nolan, com os atores Matthew McConaghey, Anna Hathaway e Jessica Chastain (Foto: Melinda Sue Gordon/Warner Bros./Divulgação)
Em um futuro não muito distante, a Terra deixa de ser uma fonte de vida e se torna uma ameaça à espécie humana. Tempestades de areia cobrem o mundo de pó, dizimando as plantações e os homens. A principal preocupação é com o fornecimento de alimentos: a última cultura que resta é o milho que, em pouco tempo, também será arrasada. A única solução é deixar o planeta que se tornou inóspito e buscar, em algum lugar do universo, outro lugar para habitar. É apocalíptico o futuro de Interestelar, filme que estreou no Brasil nesta quinta-feira. Para construir essa viagem pela galáxia, o diretor Christopher Nolan buscou na física, na astronomia e na mecânica quântica, recursos que tornem verossímeis essa jornada hoje impossível para a humanidade.
“No filme, há várias teorias e hipóteses astronômicas que realmente existem e foram extrapoladas. A boa ficção científica faz isso: chega ao limite do que conhecemos para criar mundos alternativos”, diz Douglas Galante, pesquisador do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas.
Buraco-minhoca – Grande parte da base científica do longa vem do físico teórico americano Kip Thorne, um de seus produtores executivos. Thorne é conhecido não só por colaborar em longas que levam a ciência para as telas, como Contato, de 1997, mas também por ser um cientista de ponta, que avançou nas teorias de Albert Einstein sobre relatividade e gravidade. Até 2009, trabalhou no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Calthech, na sigla em inglês), uma das mais importantes universidades de ciência e engenharia do mundo, e atualmente é consultor da Nasa e integrante da Academia Nacional de Ciências americana. O centro do novo filme traz uma das ideias mais fantásticas do cientista: o buraco-minhoca atravessável.
Previsto teoricamente mas nunca observado na prática pela ciência, o fenômeno é um desdobramento da teoria da relatividade especial de Albert Einstein (1879-1955). O buraco-minhoca é uma ruptura no espaço-tempo – aquilo que os físicos descrevem metaforicamente como o tecido do universo, o ambiente dinâmico onde todos os acontecimentos transcorrem. Essa ruptura criaria um túnel ligando dois pontos afastados do universo. Na galáxia, qualquer pequena distância é medida em anos-luz – um ano-luz equivale a 9,46 trilhões de quilômetros. Dos planetas encontrados pelos cientistas capazes de suportar vida multicelular, o mais parecido com o nosso é Kepler 186f, a 500 anos-luz de nós. Para chegar até lá, viajando com a tecnologia atual, que usa 1% da velocidade da luz, levaríamos 50.000 anos – 25 vezes toda a Era Cristã. Por isso, o buraco-minhoca seria a solução para viajar a planetas semelhantes ao nosso. Sem esse rasgo no tecido do universo, que aproxima dois pontos longínquos, é impensável a chegada em algum planeta potencialmente habitável.
Alguns teóricos postulam que um buraco-minhoca só poderia existir se for microscópico. Segundo os cálculos de Thorne, contudo, grandes corpos – como uma nave espacial – poderiam passar por esse buraco. Ainda assim, não é possível prever se chegaríamos vivos do outro lado: a criação desse fenômeno mobilizaria energias tão fortes quando as que existem em um buraco-negro.
“Hoje não existe tecnologia para chegar até um dos candidatos a nova Terra já descobertos. Mas isso não será impossível para as próximas gerações”, diz o astrônomo Amâncio Friaça, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP). “A física muda muito e rapidamente. Basta lembrar que a teoria da relatividade tem apenas cem anos. Daqui a alguns séculos, certamente, vamos encontrar um meio de fazer viagens interestelares: mas faremos isso por meio de uma ciência que ainda está por ser descoberta.”
Confira algumas propostas para essa ciência do futuro trazidas por Interestelar traz e veja qual a possibilidade de um dia se tornarem realidade, de acordo com físicos e astrônomos:
-
Improvável: fim dos recursos naturais
A tempestade de areia que assombra os moradores da Terra de ‘Interestelar’ não é fantasia: ela realmente aconteceu nos anos 1930, no interior dos Estados Unidos. Após décadas do cultivo intensivo de grãos que eliminou a vegetação original da região, a camada superior do solo se precipitou sobre as cidades em nuvens de pó. A história, contada no documentário ‘The Dust Bowl’, feito pelo americano Ken Burns para a rede PBS, foi uma das inspirações para o roteiro. Na vida real, entretanto, a possibilidade que essas tempestades arrasem o planeta e que os homens consigam esgotar a natureza é bastante discutível. “Atualmente, a ocupação irracional do solo e a exploração desenfreada dos oceanos está extinguindo muitas espécies. Os mais frágeis são os mamíferos e plantas de grande porte e os mais resistentes são os insetos, que se tornam agentes de pragas e propagadores de doenças”, explica o astrônomo Amâncio Friaça, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP). “No entanto, aprendemos a enfrentar as epidemias animais e as pestes vegetais com a tecnologia e é preciso tragédias em série para que acabem todas as possibilidades.” Os cientistas acreditam que, antes de buscar outros planetas para viver, será mais provável que os homens aprendam a reciclar os recursos naturais. “Vamos aproveitar dejetos e outros materiais para criar um mundo de lixo praticamente zero, com tecnologias autossustentáveis. Nesse panorama, a agricultura será cada vez mais tecnológica e intensiva. Regredir a um mundo agrário, portanto, parece muito improvável”, diz Douglas Galante, pesquisador do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas.