por Dario PR – colaborador PORTAL DO CURTA
Cecília Amado, carioca de 36 anos, iniciou no cinema em 1995, como Assistente de Continuidade em Tieta do Agreste (1996). Depois disso não parou mais. Seguiu fazendo continuidade para cinema em O que é isso, Companheiro? (1997) e Guerra de Canudos (1997), e para TV nas minisséries Dona Flor (1997) e Labirinto (1998). Começou na Assistência de Direção em Mauá – O Imperador e o Rei de 1999. Uma década de trabalho e 14 projetos depois, estréia na Direção com Capitães da Areia. Essa semana Cecília está em Toronto apresentando seu filme no 6º Brazil Film Fest, e me concedeu a honra de uma entrevista, que segue abaixo na íntegra.
1. Por que Capitães da Areia e não outro romance, entre tantos ótimos de seu avô?
– Nunca pensei qual romance de Jorge Amado eu adaptaria para o cinema, a escolha não se deu por ser um livro dele. Na verdade eu li Capitães com 14 anos e fiquei apaixonada por aquela história e a mensagem de liberdade na luta contra o abandono. Em 2003, eu já trabalhava com cinema e televisão há bastante tempo quando vi um ensaio de uma adaptação de Capitães da Areia para o teatro no Rio de Janeiro. Aqueles atores adolescentes, de classe média carioca, atuavam com tanta emoção que acreditei que essa história no cinema, com atores baianos de universo semelhante ao dos personagens seria arrebatador. E foi.
2. Na feitura do roteiro e do filme, houve o desejo de ser fiel ao livro? Aconteceram alterações intencionais à história de Amado? O que você quis mudar?
– O livro foi escrito em 1937, por um Jorge Amado no auge do seu engajamento político e eu convivi com um Jorge bem diferente daquele jovem de 24 anos que escreveu o romance. Por isso procurei ser fiel ao seu olhar humanista e lírico e me dedicar sem amarras a fazer uma adaptação à dramaturgia própria do cinema. A escolha da época, anos cinqüenta, foi mais conceitual do que realmente a proposta de termos um pano de fundo histórico. A intenção foi de fazer uma espécie de fábula atemporal. Os elementos contemporâneos vieram na linguagem cinematográfica, nas escolhas de fotografia, na palheta de cor, na montagem e na trilha sonora. Era uma forma de tratar um tema que continua muito atual, com o olhar afetuoso de Jorge Amado.
(FOTO 5 – CECÍLIA AMADO NO SET)
3. Qual o desafio de trabalhar com adolescentes não-atores? Em que isso afeta a estrutura do filme?
– A formação do elenco foi o maior desafio do filme. Eu tinha 12 personagens adolescentes, baianos, meninos de rua e não existia um repertório de atores profissionais nessa faixa etária com essas características. A opção por não atores não é novidade, remonta ao neo-realismo italiano. Fizemos a pesquisa em 22 ONGs que já davam um suporte social aos jovens e continuaram dando após o término da filmagem. Entrevistamos 1200 jovens, selecionamos 90 para dois meses de oficinas e então pudemos chegar aos 12 finalistas que passaram por um longo processo de preparação. Os meninos precisavam ter o espírito dos personagens, a personalidade e o jeito de cada um deles, mas ao mesmo tempo saber usar isso na interpretação. Eles tinham que compreender as regras do cinema e se deixar dirigir. Foi uma experiência muito interessante, pois eu adoro dirigir atores e tivemos muito tempo à disposição destes “não-atores”.
4. O que pode ter mudado na realidade dos meninos de rua brasileiros da década de 30 para os dias atuais?
– Os Capitães da Areia ainda existem. Pouco mudou nesses setenta anos, desde que o romance foi escrito na essência dos meninos de rua na Bahia: como é a família, como e porque vão parar nas ruas, como se organizam e se relacionam com os adultos, a sociedade, as mulheres… Essas questões tem as mesmas respostas até hoje. Além disso, o filme pega um viés do livro que fala sobre o rito de passagem da adolescência, e essa temática além de atual é universal. O que vemos que se agravou é a exacerbação da violência relacionada ao tráfico e ao consumo de drogas, principalmente o crack, o que acentua em muito esse drama social.
5. Após 14 marcantes experiências em TV e Cinema como Assistente de Direção, Capitães é seu primeiro longa como diretora (onde também assina roteiro e produção). Podemos supor que o Cinema Brasileiro ganha uma nova e fiel diretora? Dá pra viver só de cinema no Brasil, ou a alternância com projetos para TV acaba sendo uma necessidade?
– Engraçado esse número, não sei de onde ele surgiu, talvez de alguma biografia resumida (risos). Na verdade nunca contabilizei os trabalhos que fiz, comecei no momento da retomada do cinema nacional e logo me tornei assistente. O mais importante como carreira foi ter feito projetos tão distintos com diretores e produtores de diversas linhas dramatúrgicas. Fui assistente de mais de 20 diretores e ao longo desses anos pude formar o meu próprio olhar e saber que histórias gostaria de contar e como. Me tornar diretora foi uma conseqüência natural dessa trajetória. Acho bem complicado hoje para um diretor viver apenas de cinema no Brasil e, por outro lado, o mercado de produções independentes para a TV cresceu muito e com um formato semelhante ao do cinema.
6. Quais seus próximos projetos? Algum outro romance de Amado em vista?
– Tenho dois projetos de longa-metragem, um no Rio de Janeiro e outro no Ceará. Adaptar Jorge Amado é sempre tentador e tenho uma opção pelos direitos de A Descoberta da América pelos Turcos, mas, por hora, não está na minha lista dos próximos projetos.
Ficamos então de olho nos próximos e promissores projetos de Cecília Amado. Seu próximo longa de ficção, ainda em pré-produção, se chama Trinta Carnavais e tem como cenário o Carnaval de Rua do Rio. O roteiro, da própria Cecília, conta a história de dois irmãos da classe média brasileira, com problemas mais existenciais que financeiros, em crise ao completar 30 anos. Paralelamente, Cecília e outras quatro diretoras (Maria Carolina, Tenille Bezerra, Gabriela Leite e Fernanda Setnof) trabalham na pré-produção de um documentário que retrata a vida de mulheres que vivem ou trabalham na Cidade Baixa, em Salvador. A cineasta foca suas lentes nas prostitutas da Ladeira da Conceição da Praia. Vale a pena esperar.