BEIJOS PROIBIDOS
Por conta do erotismo explícito, nos anos de 1920-30, Hollywood era considerada pela opinião pública como a “cidade do pecado”, não apenas pelas tramas sexualizadas, mas também pelos bastidores e wild parties que envolviam escândalos entre as celebridades. Desde então, grupos conservadores clamaram por “decência no cinema”, levando ao estabelecimento do Código de Produção (ou Código Hays), que passou a controlar de 1934 a 1968, dentro dos estúdios, as imagens do obsceno. Cenas de conteúdo sexual e de impacto foram proibidas (sexo, crime, parto, aborto, violência, suicídio, prostituição, contrabando, violação da lei, subversão da família e da igreja, etc). Acordos foram firmados com igrejas de diversos credos, todas entusiasmadas com a repressão ao cinema.
O sexo assumiu então a forma perversa do tabu. Como toda censura que se faz por meios negativos, ela se revelou ambígua: o cinema sexualizou-se ainda mais, só que por meios simbólicos, gerando todo um imaginário romântico, de sublimação sexual. Era praticamente uma autocensura que começava desde o desenvolvimento dos roteiros até a filmagem das cenas. Beijos “selinhos” estavam liberados, desde que limitados a 25 segundos. Beijos longos e apaixonados eram vetados. Beijo de língua nem pensar. “O beijo na boca de língua é proibido. Não se deve mostrar beijos, abraços demasiados apaixonados, poses e gestos sugestivos. Cenas de paixão não devem ser introduzidas se não forem absolutamente essenciais à intriga. A paixão deverá ser tratada de forma a não estimular as emoções mais básicas. Nunca se deve mostrá-las de maneira explícita” – dizia o Código.
Vários cineastas souberam driblar a censura, projetando beijos que insinuavam outros sentidos: um beijo no final da trama era mais que um happy end, às vezes selava um pacto político ou aludia a um coito sexual, cuja visibilidade era proibida. Até mesmo uma cena sem beijos tornava-se marcante, como a de Humphrey Bogart e Ingrid Bergman se despedindo em Casablanca (1942), de Michael Curtiz, que entrega a fantasia do beijo à imaginação do espectador. Assim, ao mesmo tempo em que as restrições do código reprimiam a explicitação do desejo, estimulavam ainda mais a imaginação erótica. Como no beijo roubado em E o Vento Levou (1939); no beijo “excessivo” de 3 minutos e 5 segundos em You’re in the Army now (1940); no beijo gigantesco entre Elizabeth Taylor e Montgomery Clift em Um Lugar ao Sol(1951); ou no beijo molhado em A um passo da eternidade (1953), em que Deborah Kerr, nos braços de Burt Lancaster, rolava seminua na praia, em um “orgasmo” constante, estimulado pelo vai-e-vem das ondas.
A genialidade de Alfred Hitchcock soube contornar com maestria as limitações do Código, criando uma gramática de sublimação do sexo. Para Pommer, “a impossibilidade de representação visual do ato sexual, ou mesmo (de) cenas de beijos apaixonados, levou a uma erotização do conteúdo dos diálogos, trabalhando com subentendidos”, como no “célebre plano-seqüência de Interlúdio (1946), onde Cary Grant segue beijando Ingrid Bergman da sacada do apartamento até a sala, enquanto caminham abraçados”. Em Ladrão de Casaca (1955), a sedutora personagem de Grace Kelly, depois de se aventurar com o amante, vivido por Cary Grant, inicia uma seqüência de beijos acompanhada por fogos de artifício, um “orgasmo” compensatório. Em Intriga Internacional (1959), os recém-casados se beijam ardentemente dentro de um vagão até que o trem penetra rapidamente dentro de um túnel e o filme acaba. Na imaginação do espectador, o beijo prossegue…e já se sabe a próxima cena. Como não podia mostrar beijo gay, Hitchcock sublimou a relação homoerótica entre os protagonistas de Festim Diabólico (1948) por meio de diálogos íntimos e pelo assassinato do amigo causado por ciúmes.
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A repressão do beijo foi bem representada pelo diretor Giuseppe Tornatore no filme Cinema paradiso(1989). Na trama, o personagem do padre Adelfio é como os olhos da censura: ele assiste previamente os filmes que aportam na cidade, obrigando o projecionista a cortar todas as cenas de beijo. Como bom cinéfilo, o projecionista arquiva as cenas mutiladas e, somente no final, é que descobrimos a maratona de beijos proibidos.
Pela sublimação do sexo, este cinema clássico evocava uma aura de glamour. Os personagens expressavam seus desejos eróticos por meio de atos comuns, mas simbólicos, como uma mão trêmula, um lábio semi aberto, uma cama de casal revirada, um roçar de pernas, um beijo ao pé do ouvido. A mulher era divinizada no star system. “Não se podia mostrar uma estrela desgrenhada, sem maquiagem, mal iluminada. O desejo despertado pela diva era consumado apenas no beijo na boca, que sublimava a penetração sexual, de modo que até esse ato sujo de secreções e viscosidades era limpo e asseado” – comenta Nazario.