por DARIO PR – colaborador PORTAL DO CURTA
São tiros mortais ou fogos de artifício? O que se passa quando o crítico de
cinema resolve mudar de lugar e fazer o filme? Essa “dança das cadeiras”
acontece no deslumbrante O SOM AO REDOR (Neighboring Sounds no
título internacional), primeiro e ambicioso longa de ficção do crítico e
cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho. Ele já tinha feito seis
curtas e um longa documental, Crítico (2007), registrando sua experiência
jornalística de oito anos em cobertura cinematográfica.
Realizado em 2010 pela Produtora CinemaScópio de Recife, a produção
vem assinada por Emilie Lesclaux, esposa do diretor. O filme custou exatos
1 milhão e 860 mil reais – incluindo a pós-produção. Em 2008, com o filme
ainda em projeto, Kleber já tinha ganhado o prêmio de desenvolvimento
de roteiro do Festival de Rotterdam, o Fundo Hubert Bals, que
anualmente distribui 1,2 milhão de euros a diretores interessados em
realizar filmes autorais. O roteiro também foi selecionado no Brasil pelo
edital da Petrobrás e do Funcultura. Depois de angariar elogios e prêmios
em diversos festivais internacionais (Copenhague, Oslo, Rotterdam,
Locarno, Wroclaw, Sydney, Cannes, Mar del Plata), o filme teve sua estreia
brasileira no 40º Festival de Gramado, onde faturou os kikitos de Melhor
Diretor e Melhor Filme pelo júri da crítica e pelo júri popular. No Festival
do Rio levou o Troféu Redentor de melhor filme e melhor roteiro, ganhou
ainda melhor filme na Mostra de São Paulo e foi apresentado em sessão
especial no Festival de Brasília.
Uma vizinhança de classe média no Recife tem sua rotina mudada por
milicianos que chegam oferecendo serviço de segurança particular aos
moradores. As cenas iniciais não me instigaram: a história me pareceu
pouco consistente, as atuações me pareceram frágeis, a captação em
película me pareceu velha, e tive a impressão que a imagem estava
meio .. fora de foco. Pois bem, nesse filme, nada do que parece, é. Tudo
se transforma ao longo das mais de duas horas de projeção. Os atores
vão cena-a-cena vestindo seus personagens com convicção e realismo.
O roteiro vai se transmutando numa bem alinhavada teia que mescla
com presteza suspense policial, pequenos dramas familiares e momentos
precisos de lirismo, sensualidade e poesia. A direção vai se revelando de
extremo profissionalismo, com movimentação de câmera rara, criativa e
absoluto domínio da linguagem cinematográfica.
Grande parte das cenas reproduz uma imagem que, em tese, estaria
sendo captada por câmeras de segurança. Aquelas que estão em quase
todos os lugares, que a gente esquece que existem, e que por isso mesmo
captam uma realidade outra: a intimidade e o desprendimento das
pessoas (no caso aqui: das personagens) quando não se dão conta que
estão sendo filmadas. Esse ponto-de-vista conceitual, ao desnudar-se, traz
uma perspectiva nova ao filme, que se re-significa aos olhos espectador.
Outro ponto alto é a edição sonora, que recheia momentos do mais tóxico
silêncio com uma bizarra sinfonia de barulhos urbanos .. uma verdadeira
cacofonia de sons que vão, ruído a ruído, compondo uma atmosfera
cinematográfica única, um labirinto de paranóias, medos e perigos, tanto
imaginários quanto reais.
O filme começa com fotos em P&B de um canavial. Depois passa a uma
rua. Uma rua que tem vários personagens, todos vizinhos, vivendo dramas
comuns, como o roubo de toca-fitas nos carros que dormem na rua, e
dramas pessoais, como no caso de Bia, casada e mãe de um casal de
adolescentes, que vive atormentada pelos latidos do cachorro da vizinha.
Os personagens vão se multiplicando à medida que o filme avança, mas
em nenhum momento o espectador os perde, muito pelo contrário,
ele vai sendo envolvido numa teia de tipos e acontecimentos que se
entrecruzam e o conduzem a diversos becos, sempre na mesma rua.
Como num labirinto, apenas um desses becos o levará à saída. Cabe ao
espectador acertar o beco. Ou não.
Na atuação, merece atenção especial o trabalho de Maeve Jinkings
(Falsa Loura; Era uma vez eu, Verônica), Irandhir Santos (Tropa de Elite 2,
Febre do Rato) e do poeta-ator-escritor W. J. Solha. As filmagens foram
feitas em seis semanas e quatro dias, entre julho e agosto de 2010. A
fotografia é de Pedro Sotero e Fabricio Tadeu, a direção de arte, de Juliano
Dornelles. A montagem, de Kleber e João Maria, levou um ano e dois
meses pra ficar pronta. A trilha sonora é do DJ Dolores e o desenho de
som é assinado também por Kleber e Pablo Lamar. O corte final tem 131
minutos.
O SOM AO REDOR, distribuído no Brasil pela Vitrine Filmes, é dessa
espécie colossal de filmes que crescem a cada novo olhar. Uma obra ímpar
e atemporal. Quem viver, verá.
Grande Abraço
.Dario PR
Prêmios:
– Melhor Filme Latino-Americano no 3rd Cinema Tropical Awards.
– Melhor Filme no Festival CPH PIX em Copenhague, Dinamarca.
– Prêmio da Federação Internacional de Críticos de Cinema – FIPRESCI – no
Festival Internacional de Rotterdam, Holanda.
– Prêmio da Crítica no Festival New Horizons, em Wroclaw, Polônia.